Belo Horizonte, dezembro de 1999
Mesmo afastado das salas de aula há duas dezenas de anos, ainda
recebo muitos textos para avaliação, a maioria sem qualidade. No último
janeiro (já estamos no Natal) descobri quase uma centena de poemas
assinados por Remisson Aniceto, nome até então totalmente desconhecido
para mim. E o autor roga que eu lhe escreva algumas linhas, o que, após
ler su a poesia, não me é nenhum sacrifício.
Confesso que há muito não me interessava pela poesia, mas após me
alimentar de tão belos textos meu gosto se renova. É verdade que fui
atraído pela essência, pelo tempero, e não pela forma que, cá entre
nós, não deixa muito a desejar, não.
A poesia deste autor não parece ser puramente confessional,
tampouco assintomática. Entretanto, se não retrata totalmente as suas
vivências, também procura se valer do real, às vezes. É como se o olhar
do poeta se incorporasse ao olhar dos transeuntes - não à revelia do
primeiro - e ele se visse através do observador e se descrevesse. Assim,
se de início nos parece uma artimanha do poeta par a se
descompromissar de sua poesia, nessa concepção a sua poesia é ele mesmo,
analista do olhar cotidiano que o observa.
Ouso dizer, ainda, que os poemas menores, pouquíssimos, não
comprometem a excelência da maioria dos textos deste autor que, através
da poesia, almeja ser o que não foi, fazer o que não fez, ter o que não
teve... Sonho de quase todo poeta.
E como, constantemente, sou atacado pela fome do indissolúvel e
pelo desejo do impalpável, recorro aos seus poemas e me sacio. Delicioso
néctar da imaginação!
Antoine Verger
Professor e crítico literário

Beba!
Água potável!
Coisa mais difícil é opinar sobre uma obra engendrada por seu amigo.
Se não agradou, como falar mal de um filho para o pai?
Se agradou, como exprimir-se na intensidade adequada e justificar seu parecer?
E põe dificuldade nisto se for poesia!
É um desafio que sempre enfrentei. Os muitos anos (quase trinta),
dia a dia, vividos na tentativa de interpretar para os alunos as
contribuições que a arte literária já firmada pela cultura pode trazer
a cada pessoa, em vez de insensibilizar criaram uma inquietude.
Confesso que ao encontrar alguma mina nova aflorando a terra, tentando
abrir um sulco para expor-se como água de beber, tenho sede e sempre
experimento, até com um ar de obrigação.
É o caso de Remisson. Li, digerindo, uns 50 poemas seus.
É terra privilegiada que absorve todas as chuvas. Sinto
infiltrandose nele águas do Romantismo, do Parnasianismo, do Si mbolismo
(mais Alphonsino que Cruzeano) do Augusto inclassificável dos Anjos
desangelizador e até jorros da bilha do Fernando português. Mas, não só.
Há chuvas de todos os climas e estações.
Mas tudo sai a seu modo, à sua pessoa. Repito: é terra fértil, não porosidade filtrante.
Remisson tem tudo de nascente: filtra, enriquece, mistura, alquimiza.
Como todo mundo, adota calhas, mas o faz com arte e competência,
sobretudo as do soneto. (Acho, aliás, que todo bom sonetista é sempre um
grande poeta). A prova disto é que a água corre, mineral, cristalina,
leve, surpreendente, medicinal.
Pode beber. Em algum local psíquico, em algum momento sedento, vai lhe fazer bem.
Prof. João E. Magalhães - Literatura
Colégio Stella Maris (SP)
Agosto de 2001

São Paulo, 20 de junho de 2006
Caro Remisson,
Demorei para responder, porque minha agenda não é nada fácil.
Fui lendo um dia uma coisa, outro, outra. Como o meu conhecim ento
de poesia é limitado (sabe que nunca fiz uma só em toda a minha vida?)
fui pelo impacto que os textos me produziram. De uns gosto mais, de
outros menos. O essencial é que uma pessoa tenha a ousadia de fugir da
mesmice do dia-a -dia, do tédio da rotina, procurando criar. A criação é
o que fica, nos justifica. Textos, sejam poemas, contos, crônicas, ou o
que for têm sua vida própria e atingem os outros de maneira misteriosa e
mágica. Gosto de uma coisa, o outro detesta essa mesma coisa. Essa
variedade é que torna o escrever fascinante. Lendo um poema como
Transição, por exemplo, me vem à mente a poesia de Augusto
dos Anjos, autor que rompeu com tudo e formou a cabeça da minha
geração. E quando deparo com
Vizinho ilustre, sinto em você uma guinada. Muito
diferente dos poemas anteriores. Muito forte. Poucas palavras e muita
ironia. Este poema define o criador. Vemos o que não estamos vendo. Em
O amante você faz o que todos fazemos com a criação.
Desafiamos a morte. Ela que venha, que nossos textos nos tornam
imortais. É uma auto-confiança enorme, e quem escrever precisa disso.
Bem, quando cheguei em
Convite, não gostei. Meio chavão, meio clichê. No entanto, em Invólucro, você cresce, domina, extrapola, envolve, aterroriza. Belo, belo!
Nova Era é um momento de ternura. Necessário. Quanto a Cara de pau é perfeito. Diz o que muita gente quer dizer e não sabe. Ótimo. Em
O eu anômalo entra o sarcasmo, a auto-ironia, a auto-crítica. Muito bons ainda
Prisão e liberdade e Só o tempo passa.
O que citei foi o que mais me capturou. Mas quero adiantar que
cada leitor é um leitor diferente. Quero afirmar que você precisa
escrever, deve escrever, não pode parar de escrever , porque dentro de
você está um vulcão em erupção, está um homem com visão de mundo e de
vida, um homem inconformado e rebelado. E a poesia é a forma de colocar
para fora tudo isso. Para que os outros partil hem.
Grande abraço do
Loyola Brandão
Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara (SP) em 31
de julho de 1936. É autor de Cadeiras proibidas, Zero, Não verás país
nenhum, Cuba de Fidel, O beijo não vem da boca, Veia bailarina, entre
muitos outros livros.
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